A primeira máquina espacial de café expresso

 

Beber café aqui é parte da rotina de muita gente   ao redor do mundo. Pelo menos dos que estão na superfície.

Os astronautas na Estação Espacial Internacional precisam recorrer a café instantâneo em pequenas bolsas que pode ser bebido com a ajuda de um canudo. Pelo menos até 2015, quando a primeira máquina espacial de café expresso chegou na estação e trouxe
consigo pequenas xícaras que fazem uso   de um efeito físico muito interessante e dispensam a necessidade dos canudos. Vamos falar sobre isso! É… beber café com um canudo realmente não é a melhor coisa do mundo.

Mas não tem como negar a necessidade deles em um ambiente em microgravidade e de um container que impeça os líquidos de flutuarem por toda a cabine e atingirem equipamentos, experimentos ou pessoas. E ainda mais se for quente. A solução para o café continuar na dieta dos astronautas na estação espacial e são essas pequenas bolsas com café solúvel. A água quente era adicionada com a ajuda do Potable Water Dispenser e o astronauta mistura o conteúdo com a ajuda dos dedos.

Café coado do jeito brasileiro exige gravidade para poder funcionar ou no mínimo uma centrífuga. E café expresso precisa de equipamentos pra lidar com pressões mais altas. E para realizar o sonho do café expresso no espaço a Agência Espacial Italiana se uniu com a empresa de engenharia aeroespacial Argotec e a empresa de produtos de café Lavazza para criar a ISSpresso. E se você não entendeu a piadinha, ISS é a sigla em inglês para Estação Espacial Internacional que, juntando com a palavra de origem italiana “espresso” vira ISSpresso.

Esse era definitivamente o ÚNICO nome possível pra essa máquina. E o jeito que ela funciona não é muito diferente do jeito que essas máquinas domésticas funcionam. Depois de inserir a cápsula no compartimento a máquina perfura ele e injeta água quente pressurizada que sai do outro lado. A ISSpresso também usa cápsulas de café que são inseridas na máquina. Mas a água, ao invés de ficar em um container separado, é colocada no momento do uso com a ajuda das bolsinhas de água já comuns na Estação. Essa água é aspirada, pressurizada e aquecida por um sistema elétrico   assim como a máquina que você talvez tenha em casa. Depois de passar pela cápsula, o café segue seu caminho até outra bolsinha que recebe o líquido quente e pronto.

A principal diferença dessa máquina para uma doméstica são os seus componentes mais robustos. Qualquer coisa enviada para o espaço precisa atender a critérios rigorosos e oferecer uma boa margem de segurança caso falhas aconteçam. Depois de passar por testes,  a máquina foi lançada em 2015 à bordo de um Falcon 9 na missão de reabastecimento. A primeira pessoa a tomar café da máquina no espaço foi a astronauta Samantha Cristoforetti em 3 de Maio de 2015. A máquina ficou em operação na ISS até dezembro de 2017, quando chegou ao final da sua missão.

A máquina de café é legal mas o que realmente chama a atenção nessa história são as pequenas xícaras de café usadas. Ao invés de tomar a bebida diretamente da bolsa que sai da máquina os astronautas podem  colocá-la nestes copos especiais e ter uma experiência impressionantemente parecida com a de beber café na Terra. Eles funcionam usando um fenômeno físico chamado “Capilaridade”. Basta encostar a boca no canto da xícara e beber normalmente,   enquanto o café sobe magicamente até a borda. Uma xícara comum em microgravidade até poderia conter o café. Mas por conta da tensão superficial gerada pelas forças de atração entre as moléculas de água a bolha de café  ficaria presa no fundo da xícara.

O problema começaria na hora de tirar o café lá de dentro para beber. A tendência dos líquidos de se agruparem dificultaria bastante   as coisas e quem estivesse tentando beber provavelmente se queimaria. A capilaridade acaba ficando escondida aqui na superfície por que a gravidade a supera constantemente. Mas tem alguns jeitos de enxergar seus efeitos claramente sem precisar estar em microgravidade. Isso aqui é um tubinho de vidro com um diâmetro interno de cerca de 1 mm. Ao encostar ele na água dessa maneira a coluna de   líquido dentro dele começa a subir naturalmente até uma certa altura. Duas forças estão em jogo aqui para permitir que isso aconteça: as forças de coesão,   que fazem com que as moléculas do líquido permaneçam unidas, e as forças de adesão, que acontecem entre o líquido e a parede do vidro. Talvez você já tenha notado que ao colocar água em um recipiente os   cantos ficam “levantadinhos” ao invés do nível ser completamente plano.

Essa curvatura é chamada de “menisco” e existe   exatamente pelo mesmo motivo que a coluna de água nestes tubinhos sobe. Mas, o que impede a água de subir em um recipiente grande é o peso da coluna de água. Em um recipiente cilíndrico como um tubinho ou um copo esse peso tá   diretamente relacionado ao raio da seção transversal. Quanto mais largo for o tubo, mais pesada é a coluna de água. Quando você chega na escala desses tubinhos as forças que eram antes   bastante fracas em relação ao peso do líquido se tornam mais proeminentes. E a água sobe naturalmente até a coluna ser pesada o suficiente   para entrar em equilíbrio com as forças de adesão.

Um outro jeito de ver isso acontecendo é pegando uma toalha de papel e colocando dessa maneira em 2 copos. À medida que o tempo passa as forças de adesão entre a água e a superfície porosa   do papel ajudam o líquido a lentamente escalar a toalha e ser despejado no outro recipiente. Quando o fator gravidade é removido a capilaridade pode ter um papel ainda   mais importante e esse foi um tópico de estudo bastante comum das pesquisas realizadas na ISS. No caso da xícara espacial de café o formato das paredes faz com que o líquido siga naturalmente   o caminho até sua borda guiado pelas forças de adesão e tensão superficial. Ao brincar com o formato das coisas é possível   criar sistemas de “bombeamento” que funcionam de forma totalmente passiva. Isso pode ser útil para um tanque de propelente de uma nave, por exemplo. Em microgravidade o combustível e líquidos criogênios tendem a se espalhar pelo tanque, impedindo que os motores sejam iniciados corretamente.

Um jeito de contornar isso é usar propulsores de nitrogênio que mudam levemente a velocidade da   nave, concentrando os propelentes no fundo dos tanques e só então realizar a ignição. Isso adiciona um certo nível de complexidade e talvez uma boa saída seria criar um sistema   que usa a capilaridade para guiar os líquidos para o fundo do tanque da mesma maneira que a xícara de café funciona, como você pode ver nessa animação da NASA. E a história dessa xícara começa antes da primeira máquina de expresso no espaço. Em Novembro de 2008, durante a missão STS-126 o astronauta Don Pettit improvisou um copo que funcionava da mesma maneira usando um pedaço de plástico transparente e um pouco de fita Kapton.

Essa foi a primeira versão da xícara, que evoluiu para a versão usada na Estação Espacial Internacional com a ajuda do cientista especializado   em capilaridade Mark Weislogel e alguns de seus estudantes. O design do copo criada pelo astronauta foi patenteada e a patente pode sera   vista no site do Google Patents. Eu vou deixar o link na descrição! E além da ISSpresso, um estudante da Portland State   University projetou junto com o mesmo cientista um sistema mais simples   para fazer café usando uma seringa adaptada a uma das xícaras espaciais. Uma cápsula de café é inserida na parte de baixo e a água quente dentro da seringa   é forçada para dentro do copo ao passar pela cápsula, colocando café diretamente na xícara.

Ok, pode parecer que desenvolver e ter uma máquina de expresso no espaço   seja só um desperdício de tempo e recurso. Mas é mais do que isso. Entender como a capilaridade funciona e desenvolver modelos matemáticos para ela   também é importante pra criarmos novos sistemas de gerenciamento de urina,   tratamento e fornecimento de água no espaço e evitar danos   que podem ser causados por bolhas em sistemas em naves, por exemplo.

Mas, além das aplicabilidades espaciais, a capilaridade também pode ter seu papel   aqui na superfície em sistemas miniaturizados onde as forças envolvidas são mais importantes. E mais do que isso, beber café de um copo especialmente desenhado para funcionar no   espaço é quase uma celebração das coisas que aprendemos sobre esse assunto. E muitas vezes, ciência é sobre fazer o que ninguém fez ainda, mesmo quando as aplicações esperadas não são tão certas.

A gente não sabe o que não sabe e esse é o único jeito de descobrir.

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